Eu quero ser mãe desde que comecei a pensar sobre isso. Mas eu também queria estudar Artes e conhecer Paris. Depois de um tempo, eu também comecei a querer ser atleta e remar num campeonato brasileiro. E depois quis curtir o casamento. E mais depois ainda, quis aprender a surfar. Enfim, quando comecei a querer engravidar, estava com 28 anos e pensei que aconteceria no mês seguinte. Arram.
Depois de alguns meses tentando, nada. Pensei: "oba, rola de tentar aprender a surfar mais um pouco".
Passou um ano, nada. "Beleza, vou juntar grana e conhecer Nova Iorque". Passaram-se 2 anos e bati um papo com Deus: "Não quero mais ganhar campeonato, nem surfar, nem conhecer lugar nenhum. Só quero engravidar. Eu podia estar roubando, eu podia estar matando, mas eu só estou pedindo". Arram, nada.
Foi aí que Bento, combinado com Deus, começou a me ensinar que não tenho controle sobre a vida. Durante esses 30 anos, meu sol em virgem atuou com esmero em cada situação da minha história. Na maior parte delas com sucesso, o que me fez ter a ilusão de eu estava controlando alguma coisa. Eles, Bento e Deus, têm me ensinado que a maternidade não tem a ver com planejamento, mas com entrega.
Enfim, depois de várias lágrimas e muito amor, um dia observei os dois tracinhos no exame do xixi. Festa, alegria, emoção e... medo. Depois de tanto tempo tentando engravidar, senti medo. Medo de perder o bebê, medo de ser uma mãe ruim, medo de passar mal, medo de ficar toda hora sentindo medo. Mas estranhamente, não sentia muito medo do parto. Tinha um pouquinho de medo, mas sentia mais curiosidade, vontade de viver a experiência.
Por isso nunca cogitei agendar uma cesárea, sempre soube que queria ter um parto normal, mesmo nem tendo ideia como isso, hoje em dia, é uma luta imensa. Mas da concepção até o parto, muita líquido aminiótico rolou.
Os três primeiros meses foram um pouco tensos. Vejo hoje que a dificuldade para engravidar baixou minha auto estima no quesito "fertilidade" e em muitos momentos questionei minha capacidade de gerar. Isso foi foda porque dificultou um bocado minha conexão com o pequeno.
Além disso, aconteceu outra situação que afetou demais minha relação com a gestação.
Quando estava com 12 semanas, fiz a ecografia que mensura a translucência nucal. Não sabia direito que diabo era, mas fui porque estava afinzaça de ver o bebê. Bem, o exame não foi como esperávamos e a TN do Bento tava super aumentada. Eu não tinha ideia do que aquilo significava e uma das ecografistas me explicou, com sua sensibilidade de jegue faminto:
- Pelo número, seu filho pode ter uma anomalia cromossômica incompatível com a vida.
- Como assim? Quantas chances dele sobreviver?
- 5%.
Minha gente, esse povo não tem coração, não?
Levei o Bruno e a Bebel, minha sobrinha, para exame-festa e pronto e virou exame-tristeza coletiva. Saí de lá carregando a Muralha da China nas costas. Chorei lágrimas que pareciam infinitas, passei uma semana sem conseguir comer, não fui trabalhar, morri um pouco.
Depois de alguns exames, terapia e apoio amoroso, constatamos que o Bento estava bem. Mas era tarde, aquele medo havia se juntado aos outros e se instalado dentro de mim. E, por isso, me distanciei um pouco do pequeno.
O que me salvou dessa desconexão foi a yoga. Ou melhor, a professora de yoga, que também foi minha doula, uma pessoa maravilhosa. Com as aulas, fiquei cada vez mais feliz e me sentindo grudada no bebê. E tudo foi se ajeitando.
Com o trauma, decidi que não ia fazer mais nada na gravidez sem estudar muito antes, virei a pisíca dos sites, blogs, fóruns e livros de maternidade. E no meio desses estudos me deparei com relatos de parto domiciliar.
Uma grande amiga havia acabado de parir em casa, estava toda feliz e eu achando tudo lindo, mas bem maluco.
Os dias foram passando e eu continuava com o parto da Luana na cabeça. Resolvi escarafunchar meus sentimentos para entender o porque de não parar de pensar nisso. Então estudei sobre a segurança do PD e sobre as grandes chances de ter uma cesárea desnecessárea se eu parisse em hospital.
Foi o incentivo que precisava para perceber que eu queria um parto humanizado, sem as intervenções abusivas, e que acontecesse no lugar que sinto mais segura: minha casa. Queria que meu filho ficasse comigo ao nascer. Queria viver a experiência do parto. Queria que fôssemos todos tratados com respeito.
Foi o incentivo que precisava para perceber que eu queria um parto humanizado, sem as intervenções abusivas, e que acontecesse no lugar que sinto mais segura: minha casa. Queria que meu filho ficasse comigo ao nascer. Queria viver a experiência do parto. Queria que fôssemos todos tratados com respeito.
De repente tudo começou a fazer muito sentido e na semana seguinte já estava no consultório das parteiras. Foi assim que conheci Iara e Paloma.
Nada de senhoras barrigudas, vestidas em aventais manchados de sangue e com tesouras grandes e enferrujadas nas mãos. Iara é enfermeira obstetra e Paloma midwife. Já ajudaram nascer centenas de crianças e são extremamente competentes.
Nada de senhoras barrigudas, vestidas em aventais manchados de sangue e com tesouras grandes e enferrujadas nas mãos. Iara é enfermeira obstetra e Paloma midwife. Já ajudaram nascer centenas de crianças e são extremamente competentes.
O pré-natal com parteira é integral. É tão mais completo do que com médicos, que fiquei chateada de não estar com elas na época do exame de TN. Além das questões físicas, elas tratam nossos aspectos psicológicos mais profundos, explicam toda a fisiologia do parto e incluem toda a família nas consultas. E mais: a partir da 36ª semana, é ela quem vai na sua casa. Então, não temos que atravessar a cidade com o barrigão, morrendo de calor e preguiça (e, no meu caso, fome), e ainda ficar 2 horas numa sala de espera para ser atendido por um obstetra.
Demorei, mas quando enfim decidi a equipe que faria o parto do Bento, me senti aliviada. Iara, Paloma, Carminha e dra Rachel me ajudaram a passar pelos medos, pelas surpresas (Bento esteve pélvico por algumas semanas), pelas dúvidas e a chegar às 41 semanas ainda acreditando que seria possível receber o pequeno em casa.
Quando completei 40 semanas, senti fortes contrações durante a caminhada diária. Era 12 de junho e fiquei toda animadinha, crente que o parto ia acontecer em poucas horas. Comecei a dançar no parque, dizia para meus companheiros de caminhada que achava que ia nascer e colhi um monte de flores para enfeitar a casa. Mas as danadas estavam irregulares e pararam antes mesmo de estar de volta. Fom fom fom.
Com nada concretizado, a ansiedade começou a pegar. É difícil pensar que temos um dead line para vivermos uma escolha importante. Só de pensar que poderia chegar em 42 semanas e ter de ir a um hospital, ficava triste (não há controle, não há controle).
Resolvi então dar uma forcinha pra natureza.
Tomava chá da Naoli (cravo, canela, pimenta do reino, folha de abacateiro, gengibre, alecrim) todo dia. - Bruno chorava quando dava um gole e eu tomava duas canecas. E nada.
Transei tantas transas quanto os últimos meses de gravidez não havia me animado. Nada.
Dancei rebolando por horas e quiquei na bola de pilates até o pé ficar dormente. Nadica.
Pelo menos foram tempos em que curti muito o Bruno, ficávamos horas juntos.
Para canalizar tanta energia, escrevi um poeminha pro Bento, mas que, de certa forma, era direcionado pra mim também.
Todo dia vou dormir
Pelo menos foram tempos em que curti muito o Bruno, ficávamos horas juntos.
Para canalizar tanta energia, escrevi um poeminha pro Bento, mas que, de certa forma, era direcionado pra mim também.
Todo dia vou dormir
Querendo acordar com um sentimento
De que já já você vai vir
Nosso pequeno e amado Bento
Quando nada acontece
É comum um suspiro de lamento
Mas vem sempre com um lembrete:
É preciso respeito com o tempo
Hoje acordei mais calma
Meu corpo se encheu de amor
Você tem um pai com a maior das almas
E uma mãe com o coração em flor
É o que de verdade tem valor
E vou assimilando aos pouquinhos
Venha do jeito que for
Que eu vou te encher de carinhos
Sem contrações, mas com uma certeza
De que você sabe o que faz
Como Deus e a natureza
Que me ajudam a ficar em paz
Filho do meu coração
Saiba que você é puro amor
Foi feito com amor
Foi gestado com amor
É aguardado com amor
E vai ser recebido com todo amor do mundo - nem cabe em nós.
É, Camila, não há controle, não há controle.
Romântica, controladora e cheia de informação. Essa era eu no fim da gravidez.
Tinha lido toda a literatura mãe-bebê existente (e a inexistente).
Sabia toda a fisiologia do parto (mas esqueci tudo na hora).
Achei que não sentiria dor (só porque não senti nada quando fiz minha tatuagem).
Pensei que teria um parto prazeroso, cheio de orgasmos (oi?).
Tinha lido toda a literatura mãe-bebê existente (e a inexistente).
Sabia toda a fisiologia do parto (mas esqueci tudo na hora).
Achei que não sentiria dor (só porque não senti nada quando fiz minha tatuagem).
Pensei que teria um parto prazeroso, cheio de orgasmos (oi?).
Mas foi meu parto, do tamanho e da intensidade que eu e Bento precisávamos.
Com 41 semanas e 2 dias eu já estava fazendo promessa pra todos os santos e, se o Bento nascesse em casa, eu estaria devendo até a mãe.
Iara veio nos ver, medir batimentos, pressão e conversar um pouquinho. Ela tentou me reconfortar e me deu algumas outras dicas para tentar induzir naturalmente o parto, as quais apliquei virginiosamente naquele dia.
Depois do jantar, tomei o santo chá-bomba de todo dia e resolvi dormir logo. Mas 15 minutos depois comecei a sentir contrações mais fortes do que os pródromos que habitualmente vinha sentido há semanas. Eram 20h30, 21 de junho. Noite de lua cheia pedia, então comecei a uivar quando as contrações vinham. Resolvi medi-las. Opa, pareciam estar regulares, ueba!
Olhei pro Bruno, apontei a cama e disse:
- Dorme! Dorme agora que eu preciso de você acordado daqui a pouco.
Como um bom menino que não desafia mulher pré-parindo, obedeceu. E eu passei a madrugada tentando lidar com as contrações e com o coquetel de sentimentos que fervia em mim.
Depois de tentar dormir um pouco e não conseguir, me levantei e comecei a desenhar. E depois, a escrever palavras de incentivo em corações. E depois depois, a colar os corações na parece da sala. E fui ficando muito feliz de estar em casa, entre minhas artes, com meu amor dormindo no quarto ao lado.
Quando amanheceu, Bruno foi deixando a casa pronta: velas, incenso, santinhos e flores. Que feliz fiquei de ter decidido pelo PD, e poder receber o Bento da maneira que imagino ser a melhor de todas. Dancei, cantei, sorri. Mas durou pouco.
As dores começaram a ficar muitos fortes e de chapeuzinho vermelho passeando na floresta me transformei em lobo mal pronto pra atacar. Fiquei muito introspectiva, não abria a boca pra falar nada. E todos os medos que eu achava ter superado caíram como uma bigorna na minha cabeça. Eu tentava desviá-los do meu pensamento, mas quanto mais me esquivava, mais eles se estabeleciam por ali.
Quando Iara e Carminha chegaram, de manhãzinha, já estava me sentindo cansada. Passei a madrugada acordada e não estou acostumada a virar noite. Mas, de acordo com meu planos (não há controle, não há controle), o parto terminaria logo logo e dava pra aguentar tranquilamente. As dores ainda estavam na categoria "gemidos".
Bruno, Iara Carminha encheram a piscina enquanto fiquei rebolando na bola. Demorou um pouco, porque o chuveiro daqui de casa é temperamental e depois de um tempo a energia cai e a água fica fria. Mas valeu a pena. Quando entrei na água... ah. Eis a faísca de orgasmo que foi possível de sentir durante o parto. Consegui até cochilar entre as contrações.
O tempo foi sendo costurado pelos carinhos do Bruno, pelas massagens e cuidados da Carminha e pelo olhar atento da Iara. Era uma mistura se sensações, sentia dor e incômodos, mas estava muito muito grata por estar em casa, com aquelas pessoas tão queridas, para receber meu filho.
A dor aumentava na mesma medida do cansaço e passaram para categoria "grunhidos estranhos". Tentei fazer os exercícios da yoga, os conselhos dos livros, a respiração abdominal. Nada parecia funcionar.
A Paloma ainda não tinha chegado e isso estava me incomodando, porque eu associava a ausência dela ao fato de que ainda ia demorar pro Bento nascer. E em vez de estar curtindo as dores e tendo os orgásmos e tals, estava doida pra que ele nascesse, pra que acabasse logo aquilo e eu tê-lo em meus braços.
Comecei a sair de mim e perder noção de tempo. Me lembro da minha mãe querendo vir em casa para trazer almoço e eu dizendo não. Do povo todo tentando me alimentar e eu dizendo não. Não queria nada entrando, só saindo. Nesse sentido os exames de toque da Iara eram suplícios, especialmente quando, depois de horas, ouvia um: 6 cm. Desânimo.
Fiquei um pouco triste de estar sentindo aquilo, achei que curtiria cada segundo do parto, que seria prazeroso. Mas o medo não deixava.
E aí que vieram à tona os anos de tentativas, translucência nucal, bebê pélvico, tudo de uma vez só explodiu pelos meus poros e parecia ter inundado a sala. Travei e fiquei olhando aqueles fantasmas me rondando por um tempo que parecia não terminar nunca. Eles não saiam dali e eu não conseguia parar de pensar, pensar, pensar (não há controle, não há controle).
Não lembro de ter visto em nenhum dos trocentos relatos que li o lado B da história. Os partos são sempre tão românticos, cheios de fadas e duendes. E lá estava eu, cheia de monstros a enfrentar.
Iara, que é uma mulher jovem mas parece uma velha de tanta experiência, cutucou dolorosamente (mas necessariamente) meu coração para que eu saísse do lugar, para que eu começasse a transpor os muros do medo. E foi aí que comecei a tentar encarar o tal do parto.
Fomos para meu quarto pedi para que estourássemos a bolsa Loui Vouiton do Bento. Eu até tinha vontade de que ele nascesse empelicado, mas eu fraquejei e precisei de um empurrãozinho para acelerar o trabalho de parto. A sensação do líquido escorrendo pelas pernas é interessante, senti pela primeira vez que Bento estava mesmo chegando.
- Como está o líquido, Iara? Tem mecônio?
- Tem.
- Mas tá muito espesso?
Mais medo pra atrapalhar o empoderamento da pessoa. Não era pra ter mecônio ali (não há controle, não há controle)!
As parteiras começaram a monitorar os batimentos do Bento para terem certeza de que ele estava bem e o maior medo de todos - o de que ele pudesse não nascer bem - veio com tudo, chamou todos os amigos e me derrubou de galera.
Fiquei na cama, em silêncio e apática. Até a Paloma dizer as palavras mágicas:
- Você está com medo de que, Camila? É normal sentir medo, deixe ele vir e apenas tente ultrapassá-lo.
As palavras acertaram meu coração. Então, senti o que já havia entendido. Devo ser entrega e não controle. Senti que sou natureza, que tem uma força maior por trás de tudo e que sou só instrumento. Que eu precisava deixar fluir.
Comecei a fazer tanta força que senti cada músculo do meu corpo. As contrações começaram a vir com um impulso de energia para que eu pudesse fazer cada vez mais força.
Olhei pro Bruno, apontei a cama e disse:
- Dorme! Dorme agora que eu preciso de você acordado daqui a pouco.
Como um bom menino que não desafia mulher pré-parindo, obedeceu. E eu passei a madrugada tentando lidar com as contrações e com o coquetel de sentimentos que fervia em mim.
Depois de tentar dormir um pouco e não conseguir, me levantei e comecei a desenhar. E depois, a escrever palavras de incentivo em corações. E depois depois, a colar os corações na parece da sala. E fui ficando muito feliz de estar em casa, entre minhas artes, com meu amor dormindo no quarto ao lado.
Quando amanheceu, Bruno foi deixando a casa pronta: velas, incenso, santinhos e flores. Que feliz fiquei de ter decidido pelo PD, e poder receber o Bento da maneira que imagino ser a melhor de todas. Dancei, cantei, sorri. Mas durou pouco.
As dores começaram a ficar muitos fortes e de chapeuzinho vermelho passeando na floresta me transformei em lobo mal pronto pra atacar. Fiquei muito introspectiva, não abria a boca pra falar nada. E todos os medos que eu achava ter superado caíram como uma bigorna na minha cabeça. Eu tentava desviá-los do meu pensamento, mas quanto mais me esquivava, mais eles se estabeleciam por ali.
Quando Iara e Carminha chegaram, de manhãzinha, já estava me sentindo cansada. Passei a madrugada acordada e não estou acostumada a virar noite. Mas, de acordo com meu planos (não há controle, não há controle), o parto terminaria logo logo e dava pra aguentar tranquilamente. As dores ainda estavam na categoria "gemidos".
Bruno, Iara Carminha encheram a piscina enquanto fiquei rebolando na bola. Demorou um pouco, porque o chuveiro daqui de casa é temperamental e depois de um tempo a energia cai e a água fica fria. Mas valeu a pena. Quando entrei na água... ah. Eis a faísca de orgasmo que foi possível de sentir durante o parto. Consegui até cochilar entre as contrações.
O tempo foi sendo costurado pelos carinhos do Bruno, pelas massagens e cuidados da Carminha e pelo olhar atento da Iara. Era uma mistura se sensações, sentia dor e incômodos, mas estava muito muito grata por estar em casa, com aquelas pessoas tão queridas, para receber meu filho.
A dor aumentava na mesma medida do cansaço e passaram para categoria "grunhidos estranhos". Tentei fazer os exercícios da yoga, os conselhos dos livros, a respiração abdominal. Nada parecia funcionar.
A Paloma ainda não tinha chegado e isso estava me incomodando, porque eu associava a ausência dela ao fato de que ainda ia demorar pro Bento nascer. E em vez de estar curtindo as dores e tendo os orgásmos e tals, estava doida pra que ele nascesse, pra que acabasse logo aquilo e eu tê-lo em meus braços.
Comecei a sair de mim e perder noção de tempo. Me lembro da minha mãe querendo vir em casa para trazer almoço e eu dizendo não. Do povo todo tentando me alimentar e eu dizendo não. Não queria nada entrando, só saindo. Nesse sentido os exames de toque da Iara eram suplícios, especialmente quando, depois de horas, ouvia um: 6 cm. Desânimo.
Fiquei um pouco triste de estar sentindo aquilo, achei que curtiria cada segundo do parto, que seria prazeroso. Mas o medo não deixava.
E aí que vieram à tona os anos de tentativas, translucência nucal, bebê pélvico, tudo de uma vez só explodiu pelos meus poros e parecia ter inundado a sala. Travei e fiquei olhando aqueles fantasmas me rondando por um tempo que parecia não terminar nunca. Eles não saiam dali e eu não conseguia parar de pensar, pensar, pensar (não há controle, não há controle).
Não lembro de ter visto em nenhum dos trocentos relatos que li o lado B da história. Os partos são sempre tão românticos, cheios de fadas e duendes. E lá estava eu, cheia de monstros a enfrentar.
Iara, que é uma mulher jovem mas parece uma velha de tanta experiência, cutucou dolorosamente (mas necessariamente) meu coração para que eu saísse do lugar, para que eu começasse a transpor os muros do medo. E foi aí que comecei a tentar encarar o tal do parto.
Fomos para meu quarto pedi para que estourássemos a bolsa Loui Vouiton do Bento. Eu até tinha vontade de que ele nascesse empelicado, mas eu fraquejei e precisei de um empurrãozinho para acelerar o trabalho de parto. A sensação do líquido escorrendo pelas pernas é interessante, senti pela primeira vez que Bento estava mesmo chegando.
- Como está o líquido, Iara? Tem mecônio?
- Tem.
- Mas tá muito espesso?
Mais medo pra atrapalhar o empoderamento da pessoa. Não era pra ter mecônio ali (não há controle, não há controle)!
As parteiras começaram a monitorar os batimentos do Bento para terem certeza de que ele estava bem e o maior medo de todos - o de que ele pudesse não nascer bem - veio com tudo, chamou todos os amigos e me derrubou de galera.
Fiquei na cama, em silêncio e apática. Até a Paloma dizer as palavras mágicas:
- Você está com medo de que, Camila? É normal sentir medo, deixe ele vir e apenas tente ultrapassá-lo.
As palavras acertaram meu coração. Então, senti o que já havia entendido. Devo ser entrega e não controle. Senti que sou natureza, que tem uma força maior por trás de tudo e que sou só instrumento. Que eu precisava deixar fluir.
Comecei a fazer tanta força que senti cada músculo do meu corpo. As contrações começaram a vir com um impulso de energia para que eu pudesse fazer cada vez mais força.
O dia começou a dar espaço para a noite e a luz da casa começou a mudar.
Iara fez um toque e constatou que eu estava com um edema de rebordo de colo. Ela tinha me explicado sobre isso durante o pré-natal, mas na hora eu não lembrava de uma vírgula, e pela cara dela, a paisagem não tinha sol.
Ela disse que podia ajudar a tirar o rebordo, se eu autorizasse.
- Tira logo isso.
Fomos para a banqueta de cócoras.
A cada contração, lá ia a mão da Iara fazer as dores passarem para a categoria "alucinação". Num reflexo, quase chutei o braço dela. Foi a parte mais dolorida de todo o TP. 50 expulsivos não dão conta da porcaria do rebordo.
Quando enfim ela conseguiu tirá-lo, a torcida do Flamengo fez ola e ficamos todos felizes e mais animados.
"Bora Bento, agora é com a gente. Você está pronto? Eu estou."
Comecei a cantar mentalmente, chamando ele pra vir pro meu colo. E aí que comecei a achar bom.
Presta atenção: só aí, depois de mais de 20 horas de dor e medo é que comecei a achar bom, comecei a ter mais consciência, comecei a entender o que estava acontecendo. Só aí o parto começou a ficar levemente parecido com aqueles dos relatos cheios de fadas e duendes.
"Ultrapassei, Paloma, ultrapassei."
Comecei a sentir uma espécie de febre, com tremores, suores e fogo. Iara perguntou se eu queria tocar a cabecinha do Bento.
"Opa, já tem cabeça?" Animação.
Não, eu não queria tocar. Estava demasiadamente concentrada e precisando daquele foco. Comecei a ter ondas de energia que ajudavam a fazer força, força, força. Força pra sair, força pra aguentar, força pra enfrentar.
De repente, sinto tudo aberto, ossos, carne, sangue.
Tenho a impressão que sinto a cabeça coroada. Calor, adrenalina, ocitocina.
Carminha me pede para soltar suavemente e demoradamente os sons pela boca. Sopro, canto, choro.
Expulsivo vem com força, mas sem tanta dor. Luta, emoção, êxtase.
Bento nasce.
Iara fez um toque e constatou que eu estava com um edema de rebordo de colo. Ela tinha me explicado sobre isso durante o pré-natal, mas na hora eu não lembrava de uma vírgula, e pela cara dela, a paisagem não tinha sol.
Ela disse que podia ajudar a tirar o rebordo, se eu autorizasse.
- Tira logo isso.
Fomos para a banqueta de cócoras.
A cada contração, lá ia a mão da Iara fazer as dores passarem para a categoria "alucinação". Num reflexo, quase chutei o braço dela. Foi a parte mais dolorida de todo o TP. 50 expulsivos não dão conta da porcaria do rebordo.
Quando enfim ela conseguiu tirá-lo, a torcida do Flamengo fez ola e ficamos todos felizes e mais animados.
"Bora Bento, agora é com a gente. Você está pronto? Eu estou."
Comecei a cantar mentalmente, chamando ele pra vir pro meu colo. E aí que comecei a achar bom.
Presta atenção: só aí, depois de mais de 20 horas de dor e medo é que comecei a achar bom, comecei a ter mais consciência, comecei a entender o que estava acontecendo. Só aí o parto começou a ficar levemente parecido com aqueles dos relatos cheios de fadas e duendes.
"Ultrapassei, Paloma, ultrapassei."
Comecei a sentir uma espécie de febre, com tremores, suores e fogo. Iara perguntou se eu queria tocar a cabecinha do Bento.
"Opa, já tem cabeça?" Animação.
Não, eu não queria tocar. Estava demasiadamente concentrada e precisando daquele foco. Comecei a ter ondas de energia que ajudavam a fazer força, força, força. Força pra sair, força pra aguentar, força pra enfrentar.
De repente, sinto tudo aberto, ossos, carne, sangue.
Tenho a impressão que sinto a cabeça coroada. Calor, adrenalina, ocitocina.
Carminha me pede para soltar suavemente e demoradamente os sons pela boca. Sopro, canto, choro.
Expulsivo vem com força, mas sem tanta dor. Luta, emoção, êxtase.
Bento nasce.
22 de junho de 2013, 20:05. A vida tem novo sentido.
Segurei aquele serzinho melequento nos braços, com meus sorrisos anestesiados. Demorei alguns segundos para acreditar que ele estava ali, conosco. Veio para nossa cama, para o meu peito, para nossa vida. Veio inundar minha alma de amor.
Bruno cortou o cordão depois que parou de pulsar e nos aninhamos, os três, num abraço aliviado.
Foi quando olhei ao redor e não havia mais monstros. Havia anjos.
***
Sou muito agradecida à querida equipe que esteve em nossa casa naquele dia. Iara, Paloma, Carminha. Mulheres fortes e competentes. Mulheres que eu vi poucas vezes, mas que ganharam um espaço enorme na minha vida, que gostaria de ver sempre, de ter por perto. E é importante dizer: da maneira como agem - com o coração - ajudam nascer meninos, meninas e mulheres. E famílias.
Com elas, pude ser o não-idealizado e me sentir acolhida. E quando entendi isso, fiquei tão mais calma, tão mais forte, que pude refletir que não existe maneira certa de parir, que existem milhões de possibilidades, e que o mais importante estava ali o tempo todo: o amor.
Agradeço por fim, e mais importante, ao Bruno, por ser quem é, e ao Bento, por me fazer melhor.
***
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Segurei aquele serzinho melequento nos braços, com meus sorrisos anestesiados. Demorei alguns segundos para acreditar que ele estava ali, conosco. Veio para nossa cama, para o meu peito, para nossa vida. Veio inundar minha alma de amor.
Bruno cortou o cordão depois que parou de pulsar e nos aninhamos, os três, num abraço aliviado.
Foi quando olhei ao redor e não havia mais monstros. Havia anjos.
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Sou muito agradecida à querida equipe que esteve em nossa casa naquele dia. Iara, Paloma, Carminha. Mulheres fortes e competentes. Mulheres que eu vi poucas vezes, mas que ganharam um espaço enorme na minha vida, que gostaria de ver sempre, de ter por perto. E é importante dizer: da maneira como agem - com o coração - ajudam nascer meninos, meninas e mulheres. E famílias.
Com elas, pude ser o não-idealizado e me sentir acolhida. E quando entendi isso, fiquei tão mais calma, tão mais forte, que pude refletir que não existe maneira certa de parir, que existem milhões de possibilidades, e que o mais importante estava ali o tempo todo: o amor.
Agradeço por fim, e mais importante, ao Bruno, por ser quem é, e ao Bento, por me fazer melhor.
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